E este é, per si, o ponto mais preocupante na análise: muito se escreveu, muito se legislou, muito se disse, para muito pouco se clarificar, se mudar e muito menos se implementar e monitorizar.
Quando discutimos incentivos, discutimos políticas de captação e desenvolvimento de pessoas altamente diferenciadas, discutimos sustentabilidade, discutimos fomento à melhoria contínua, discutimos o SNS.
Antes de mais, impõe-se clarificar que apenas analisarei os incentivos financeiros, examinando-os em três vetores: i) carga horária, ii) produtividade e iii) outcomes.
Quanto ao primeiro vetor, o que se verifica nos Hospitais, hoje, é um caos. Contam-se em mais de 10 leis, decretos-lei, circulares e acordos coletivos para tentar clarificar a forma como deverá ser planeado o trabalho médico. Em resposta à urgência na redução de encargos, optou-se pela estratégia de cortar na tarifa das horas extraordinárias. Mas é tempo de a urgência dar lugar à racionalidade. Urge transparência, diplomacia e clarificação da legislação.
Quanto ao elogio da produtividade, o que se tem implementado são "pensos rápidos" que se perpetuam no tempo como resposta a desequilíbrios gritantes entre Procura e Oferta, e não verdadeiras políticas de retribuição variável. Veja-se o mecanismo não virtuoso de recompensar apenas parte de um Hospital, e mesmo essa parte é ressarcida de forma desproporcionada, avaliando-se GDH's para recompensar equipas cirúrgicas em Produção Cirúrgica Adicional. É um mecanismo opaco, que esquece a outra parte do Hospital quando ela será parte da solução, e por isso perverso na gestão de uma Instituição.
Para gerir os sistemas de saúde num modelo de avaliação e retribuição baseado em outcomes, modelo tanto de presente como de futuro, será preciso resolver os dois problemas acima identificados no sentido de criar um clima de confiança e uma base de negociação séria entre os stakeholders, e entre pares, que beneficie a discussão de um modelo em várias fases de implementação desenhadas à partida.
Em suma, a criação de equipas multidisciplinares, sólidas e inovadoras são um motor fundamental para melhores resultados em saúde. Nesse campo Portugal é exemplo, como o comprovam inúmeros indicadores de saúde e o trajeto alucinante que fizeram nos últimos 35 anos. Manter essas equipas motivadas é um desafio do presente, cada vez mais presente com a renovação dos profissionais, e para o qual o atual paradigma de incentivos financeiros e não financeiros, não serve.
O primeiro passo para essa transformação e para a metamorfose do processo de decisão, passa pela transparência. E a transparência implica discutir dados e não opiniões. Ora, na inclusão dos dados e dos números no processo de decisão, os Hospitais têm claramente um caminho a percorrer que poderá ser catalisado pelo caminho já trilhado noutros setores.
Ricardo Gil Santos