Ignorar Comandos do Friso
Saltar para o conteúdo principal

Desmistificação da Inteligência Artificial e benefícios da sua adoção na Saúde

A Inteligência Artificial é a capacidade de reprodução de competências humanas (como o raciocínio, a aprendizagem, o planeamento e a criatividade) em máquinas.

Compreende uma constelação de muitas tecnologias diferentes que, em conjunto, conseguem sentir, compreender, agir e aprender com níveis de inteligência semelhantes aos humanos. Como subconjunto da IA (Inteligência Artificial), o Machine Learning foca-se na capacidade das máquinas para receber dados e aprender com eles sem a necessidade de programação segundo regras estipuladas por humanos.

Não só o Machine Learning mas também, por exemplo, o processamento de linguagem natural são tecnologias tipicamente associadas à IA . Desta forma, a sensação que se cria é que são várias as definições de IA, o que parece não ter fim, quase parecendo que cada pessoa com quem nos cruzamos tem uma definição diferente. Isto acontece, fundamentalmente, porque não existem limitações para a IA, podendo ser várias coisas e isto é o mais importante, o que contribui para inúmeros benefícios e potencialidades em todos os domínios.

Por outro lado, aquilo a que assistimos, atualmente, é uma mínima parte do potencial oferecido pela IA. Soluções comummente utilizadas nos dias de hoje como assistentes virtuais de companhia ou softwares de apoio à tomada de decisão são ferramentas extremamente valiosas, mas limitadas se considerarmos o sentido mais lato de IA.

Não há dúvidas de que este tipo de soluções têm um poder transformador e são altamente facilitadoras na garantia de eficiência e sustentabilidade das organizações. De acordo com o relatório da Accenture - "AI: Build to Scale", 84% dos gestores C-Level acreditam que devem aproveitar a IA para atingir os objetivos de crescimento da sua empresa.

No entanto, estamos muito longe daquilo a que estamos habituados a assistir nos filmes de ficção científica. Atualmente, não é verdade que as máquinas conseguem desenvolver tarefas ou pensar de forma mais inteligente do que os humanos. Nestes filmes, assistimos muitas vezes a máquinas com sensibilidade e emoções que imitam a inteligência humana, pensam de forma estratégica, abstrata e crítica e têm a capacidade de completar uma panóplia de tarefas de elevado nível de complexidade.

Hoje em dia, a IA é uma extensão das capacidades humanas, nunca as substituindo. No setor da saúde, talvez seja este o maior mito atual da adoção da IA - a ideia preconcebida de que a IA substitui o papel dos profissionais, contribuindo para o seu desaparecimento. Esta ideia cai por terra se pensarmos que a IA tem uma capacidade enorme de processamento de dados, contribuindo para elevar e enaltecer a responsabilidade dos profissionais de saúde na tomada de decisões tipicamente difíceis e, por vezes, pouco previsíveis. A IA confere poder aos médicos para tomarem uma decisão mais acertada num menor período de tempo.

Assim, se, por um lado, aquilo que Hollywood nos apresenta sobre a definição de IA é (ainda) totalmente desfasado da realidade, o que é certo é que existem tarefas como o processamento de dados que as máquinas podem realizar mais eficaz e eficientemente do que os humanos.

No setor da saúde, temos vários exemplos do potencial da utilização dos dados e do recurso a IA para tomadas de decisão. De acordo com Sinead Mac Manus em "Dialogues about Data: Building trust and unlocking the value of citizens health and care data", ao longo dos últimos 30 anos, o Clinical Practice Research Datalink (CPRD) tem recolhido dados anonimizados de doentes com cancro de uma rede de clínicas ao nível dos cuidados de saúde primários em todo o Reino Unido. O CPRD tem vindo a calcular o número de doentes com um sintoma específico que são efetivamente diagnosticados com cancro, o que lhes permite atribuir um nível de risco a todos os sintomas mais comummente identificados e assim, não só aumentar a capacidade de diagnóstico precoce do cancro e as taxas de sobrevivência e qualidade de vida, como redirecionar a investigação com base nestes insights.

Deste modo, neste setor, a IA tem vindo a criar impacto desde a década de 50 mas só mais recentemente com o aumento do volume de dados de saúde gerados e recolhidos, temos percecionado com maior clareza o verdadeiro valor da IA em Saúde. As áreas mais emergentes e promissoras estão relacionadas com a gestão de doenças crónicas como a diabetes, a prestação de um serviço mais eficiente permitido pela análise de dados e a capacidade de diagnóstico impulsionada não só pelo processamento de dados (conforme o exemplo anterior), como também pela imagem médica.

No que respeita a esta última, no âmbito do diagnóstico do cancro da mama, um estudo recente publicado na Nature em 2020 - "AI shows promise for breast cancer screening" e, desenvolvido no Reino Unido, projetou e treinou um modelo de computador em imagens de cerca de 29.000 mulheres. Este sistema de IA superou as decisões anteriormente tomadas pelos radiologistas que avaliaram as mamografias e as decisões de seis radiologistas especialistas que interpretaram 500 casos selecionados aleatoriamente num estudo controlado. Adicionalmente, o sistema de IA foi tão bem-sucedido como dois médicos a trabalhar em conjunto na elaboração de uma avaliação, o que nos leva a acreditar no potencial da IA para a poupança de custos (e não só!).

Deste insight podemos ainda retirar outro benefício associado à adoção de IA, também aplicável no setor da saúde, o qual passa pela possibilidade de ter colaboradores e profissionais de saúde focados em ações de maior valor acrescentado, enquanto os sistemas de IA se poderão focar em atividades mais acessórias, ainda que necessárias.

Consequentemente, ao alterarmos a forma como o trabalho é desempenhado, reforçando o papel dos recursos humanos, estamos a contribuir para um aumento da motivação e produtividade do trabalho, impulsionado pela adoção da IA. Em Saúde, o reforço do papel dos recursos humanos pode significar um maior número de consultas médicas e exames realizados, permitindo uma diminuição das lista de espera, com ganhos nos resultados em saúde.

Poder-se-á perguntar: com tamanhos benefícios associados, porque mantemos a resistência à mudança? Em primeiro lugar, é preciso desmistificar o lado negativo da IA e começar a reconhecer os benefícios. Sendo certo a enorme aplicabilidade da IA, tanto entre setores como intra setores, torna-se impreterível primeiramente definir as prioridades e as necessidades de negócio e, posteriormente, identificar como pode a IA apoiar no seu sucesso. Pois, só assim será possível maximizar o investimento em AI, sabendo-se de antemão que a IA deixou de ser um "nice to have" para se tornar num "must have", sendo um fator crítico para o futuro e crescimento consistente de todos os negócios e indústrias.

A IA deve então atuar como um companheiro para os profissionais de saúde, de forma a tomarem decisões clínicas com mais informação em tempo real e em parceria com os seus doentes.


Por Filipa Fixe, Executive Board Member da Glintt


Fonte: Dinheiro Vivo