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Até que ponto Portugal está preparado para a Inteligência Artificial na Saúde?

É necessário que a infraestrutura tecnológica das instituições públicas e privadas seja reforçada e que a aposta em inovação e novos modelos de financiamento seja uma realidade na área da saúde.


Ao longo dos últimos anos, Portugal tem vindo a desenvolver-se como um país de excelência para pilotar soluções inovadoras e disruptivas do Mundo tecnológico, de forma sustentável. Se, por um lado, é uma excelente montra tecnológica, com as características certas para ser um local muito atrativo para o desenvolvimento de projetos pioneiros na integração da tecnologia no ecossistema da saúde, por outro, a sua dimensão incentiva também a que o desenvolvimento de projetos pilotos, do ponto de vista económico, tenha um risco reduzido. Assim, Portugal é o mercado ideal para testar tecnologias e obter feedback e insights num curto espaço de tempo.

No que respeita à adoção de determinadas tecnologias e ferramentas nos serviços de saúde em Portugal, as condições tecnológicas já existiam antes da pandemia, mas o contexto pandémico e de atuação urgente obrigou a uma “mudança cultural” e de processos para que a centralidade no cidadão fosse uma realidade efetiva. A propagação do vírus SARS-coV-2 veio assim acelerar a transformação digital no setor da Saúde, com impacto direto sobre todo o ecossistema, desde as Unidades Hospitalares, às Farmácias, até à casa do doente. As teleconsultas afirmaram-se definitivamente como um meio fundamental para garantir mais equidade na prestação de cuidados de saúde bem como a sustentabilidade do sistema.

Contudo, no que toca à adoção da Inteligência Artificial (IA) na área da saúde, existem algumas barreiras que têm sido consideradas como verdadeiros entraves à respetiva incorporação e posterior massificação. Alguns exemplos são a capacitação das equipas e dos profissionais de saúde em tecnologias de informação e de comunicação, ciência de dados e do impacto da utilização dos dados para decidir com base em informação e conhecimento. Por outro lado, e para que a inovação tecnológica continue a ser uma realidade, é importante que a experiência dos profissionais de saúde e do doente seja melhorada de forma contínua e que funcione como uma verdadeira parceria. Para tal, é necessário que a infraestrutura tecnológica das instituições públicas e privadas seja reforçada, que a literacia digital de cada cidadão seja reforçada, em especial a dos adultos, e que a aposta em inovação e em novos modelos de financiamento seja uma realidade na área da saúde e do bem-estar.

A IA tem um leque variado de aplicações não apenas na fase de diagnóstico ou da doença, mas sim em toda a jornada do cidadão, a começar pela fase de prevenção na contribuição para uma vida mais ativa e saudável. Com a IA temos atualmente a capacidade de revolucionar a área das ciências da vida: desde a forma como estudamos as doenças, como geramos novo conhecimento e formas de tratamento até à prestação de cuidados de saúde. A ética, a proteção de dados e o investimento contínuo na formação são vetores fundamentais para gerar confiança e uma maior adoção da IA na área da saúde.

No contexto da capacitação de cada cidadão ser um agente capaz de promover a sua saúde e o seu bem estar, a IA aliada à Internet of Things (IOT) permite que em nossa casa ou quando fazemos desporto consigamos recolher dados que nos permitem de seguida ter informação para decidir, por exemplo, que exercício físico devo selecionar ou na fase de doença, por exemplo, como controlar a minha doença crónica e assim evitar episódios agudos e hospitalizações. Neste sentido, perante este contexto, a nível nacional já começaram a ser desenvolvidos dispositivos eletrónicos que se podem colocar na pele e que recolhem uma série de sinais vitais que, analisados no contexto do doente, podem antecipar agudizações clínicas.

Como ponto de partida para uma estratégia de facilitação à adoção, os diferentes stakeholders, nomeadamente hospitais, cuidados de saúde primários, municípios, universidades, indústria e pagadores precisam de traçar uma abordagem colaborativa baseada numa rede de cooperação que permita a conceção de projetos e soluções de interesse mútuo capazes de ganhar escala a nível nacional e, assim, desmistificar o risco aparentemente associado.

A título de exemplo, poderá fazer sentido desenvolver projetos colaborativos construídos em  consórcio, com uma forte componente de go-to-market assegurada pela indústria e através de um piloto no terreno, neste caso em instituições de saúde - as quais deverão ser envolvidas e ter um papel ativo e proativo ao longo de todo o processo, desde a identificação da necessidade e conceção da solução, testes à solução, recolha de feedback e melhorias à solução. Neste contexto, também os doentes e os cuidadores informais deverão ser ativamente envolvidos.

Do ponto de vista das entidades nacionais, das autoridades reguladoras e dos pagadores, torna-se assim fundamental introduzir modelos de financiamento baseados nos resultados e num investimento consistente em inovação tecnológica. Posteriormente, a medição de resultados e a melhoria contínua de processos podem fazer toda a diferença para analisar o impacto das soluções de IA nos resultados em saúde e desta construir o caminho para que cada vez mais a utilização de tecnologias “emergentes” possa ser uma realidade efetiva para gestores, profissionais de saúde e para cada pessoa no seu percurso de saúde. A tecnologia será sempre um bom aliado, mas nunca substituirá a relação e a decisão humana.​​​


Fonte: Observador​​​​