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"A saúde é uma das áreas onde o impacto do 5G será mais significativo"

Filipa Fixe, Administradora Executiva da Glintt, explica como a adoção e implementação massiva desta tecnologia vai transformar o setor e aponta o que é preciso fazer para alcançar esse cenário.

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Desde a telessaúde à possibilidade de realizar cirurgias em pacientes que estão fisicamente distantes do cirurgião, o 5G promete inúmeras possibilidades para melhorar não só a qualidade dos serviços de saúde, mas também o seu acesso, inclusivamente em territórios de baixa densidade.


Que mudanças o 5G vai trazer para a área da saúde?

O 5G abre horizontes inteiramente novos para a telessaúde, a tecnologia que permite que os pacientes se conectem virtualmente a médicos e outros prestadores/profissionais de saúde, por vídeo em tempo real ou chat ao vivo.

Desta forma, a introdução da tecnologia sem fios 5G marca o salto para uma nova era de hiperconectividade em tempo real, permitindo a conexão e interação de milhares de milhões de pessoas e coisas, enquanto promete desencadear o potencial de áreas da tecnologia como inteligência artificial (IA) ou Extended Reality, essencial para uma gestão eficiente dos recursos de uma clínica ou hospital. 


Como vamos ver isso acontecer na prática?

Vamos assistir a grandes impactos ao nível da telemedicina, garantindo vídeoconsultas, monitorização de doentes à distância e procedimentos médicos com total eficiência, mesmo quando os pacientes estão do outro lado do mundo; da monitorização remota, já que o 5G permite a transmissão imediata de informações para médicos ou hospitais, obtendo respostas eficientes que podem fazer toda a diferença; do diagnóstico em tempo real, com tarefas rápidas ou automáticas que garantem também que os profissionais de saúde conseguem passar mais tempo junto dos utentes; do acesso a novas terapias, em ambientes relaxantes com conteúdos que diminuam o stress do paciente e terapias com recurso às realidades virtual e aumentada; da robotização - a cirurgia à distância com robots vai deixar de ser ficção científica graças ao streaming em tempo real e à transferência imediata de informação; e das ambulâncias conectadas, nas quais os paramédicos vão poder realizar triagens, diagnósticos e até ecografias, graças a apoio hospitalar em tempo real.

Olhemos para este exemplo concreto: numa enfermaria do hospital em Wuhan, China, no auge da pandemia de Covid-19 da cidade, que foi o epicentro do surto global, 12 robots deslizavam pelo chão. As suas principais tarefas prendiam-se com medir a temperatura do paciente, entregar refeições e desinfetar as instalações. Mais do que um avanço na automação, estes robots estavam a salvar vidas. Os pacientes infetados recebiam a atenção necessária e os profissionais de saúde podiam distanciar-se do contágio e ter uma enfermaria mais segura para trabalhar.

À primeira vista, podemos apenas identificar a automação no ramo da saúde, mas, olhando mais de perto, vemos que na sua base está o avanço das telecomunicações que o tornou possível, ou seja, uma rede 5G. Sem a velocidade, fiabilidade e qualidade significativas do 5G, gerir uma frota de robots para realizar estas tarefas complexas estaria fora de questão. 


Existe algum segmento que vai sair mais beneficiado?

A baixa latência do 5G facilita os diagnósticos, o atendimento remoto e as cirurgias à distância. De acordo com a American Telephone and Telegraph Corporation, o 5G irá ter um impacto no setor da saúde em cinco níveis.

Primeiro, na transmissão de grandes arquivos de imagem, isto é, quando a rede está com pouca largura de banda, o doente tem de esperar mais pelo resultado dos exames e os prestadores não conseguem atender mais doentes. Adicionar uma rede 5G de alta velocidade permite transportar de forma rápida e confiável grandes arquivos de dados de imagens médicas, o que pode melhorar o acesso e a qualidade dos cuidados.

Em segundo, na monitorização remota em tempo real: 86% dos médicos dizem que os wearables aumentam o envolvimento do doente, prevendo-se que estes diminuam os custos hospitalares em 16% nos próximos cinco anos. O 5G permite aos sistemas de saúde monitorizar mais doentes e ter a certeza de que receberão os dados em tempo real, prestando cuidados de maior qualidade.

Em terceiro, na melhoria da realidade virtual, realidade aumentada e computação espacial, isto porque o 5G pode aprimorar ainda mais a capacidade do médico para disponibilizar tratamentos inovadores e menos invasivos. Uma das aplicações mais interessantes passa pela simulação de cenários complexos, possibilitando tratamentos alternativos para doentes em estado crítico. De seguida, na expansão da telemedicina, prevendo-se um crescimento anual do mercado de telemedicina de 16,5% entre 2017 e 2023.

Como 5G, os sistemas de saúde podem capacitar as redes móveis, e os doentes podem ser tratados mais cedo e ter acesso a especialistas que, de outra forma, não estariam disponíveis. Contribui ainda para uma colaboração mais eficiente entre profissionais de saúde. 

Por fim, o recurso a IA para determinar diagnósticos de forma mais precisa e decidir sobre o melhor plano de tratamento para um certo doente é cada vez mais frequente. As grandes quantidades de dados necessárias para a utilização de IA requerem redes ultra confiáveis e de alta largura de banda.


O que é necessário para alcançar esse cenário?

O 5G implica alterações nos processos de trabalho e na organização e tem implícita a aceleração da digitalização de processos. Desta forma, é crucial apostar na co-criação, na colaboração e na articulação entre os diferentes stakeholders, através, por exemplo, da constituição de um grupo de trabalho sobre o 5G que inclua tanto equipas do Governo, como do setor privado, para discussão de uma estratégia comum, alinhada com as necessidades e o interesse público, bem como da definição de um processo de inovação aberta, com o envolvimento dos operadores para agregar as diferentes peças de inovação, e dos profissionais e empresas nacionais e internacionais para construção das soluções.

Urge repensar o ecossistema como está atualmente construído: são estas as infraestruturas que queremos e de que precisamos? E, depois, (refletir sobre) a importância da articulação de uma estratégia entre políticas públicas consistentes, duradouras e inclusivas e o papel das organizações privadas, isto é, o esforço de empresas comprometidas permitirá avançar para um Portugal digital, contribuindo para inúmeros beneficios.


Temos um ecossistema propício a que isso aconteça, em concreto para a área da saúde? 

Todos os setores vão beneficiar do 5G, mas a saúde é uma das áreas onde o impacto será mais significativo. O 5G deve ser encarado como uma ferramenta que vai permitir ganhos de valor em saúde uma vez testados e consolidados os conceitos com recurso a use cases, antes do seu lançamento comercial.

O diálogo e a conversação entre diferentes stakeholders é de extrema importância para a definição de uma estratégia consistente e de valor para os portugueses. A existência de um bom ambiente regulatório é fundamental para gerar confiança, o que, por sua vez, é absolutamente essencial para o investimento. À medida que o recurso ao 5G na área de saúde aumenta, todo o ecossistema vai acabar por se alinhar com a medicina 4P, ou seja, um ecossistema mais preditivo, preventivo, personalizado e participativo.


Os profissionais e entidades de saúde estão preparados para esta mudança?

Segundo os resultados da 1.ª edição nacional do Barómetro da Adoção de Telessaúde e de Inteligência Artificial no Sistema de Saúde desenvolvido pela Glintt e pela APAH, os resultados apontam para uma clara perceção da importância na adoção da telessaúde e da IA no Sistema Nacional de Saúde, tanto ao nível das entidades públicas, como privadas e público-privadas.

De acordo com este barómetro, é de ressalvar que 75% das instituições têm, pelo menos, um projeto implementado na área de telessaúde, sendo o telerastreio a área mais utilizada; e 47% afirma ter projetos de IA implementados ou em fase piloto, com 25% dos inquiridos a terem atualmente implementada a transcrição de voz.

Foram apontadas como barreiras na adoção da telessaúde a infraestrutura tecnológica (61%), a baixa literacia em telessaúde (53%) e a baixa motivação na sua adoção (44%).

Já a adoção da IA é dificultada pela ausência de cientistas de dados e pelas atuais infraestruturas tecnológicas (44%), assim como a falta de recursos financeiros (33%). Um ano depois, e segundo o estudo Digital Transformation: Shaping the Future of European Healthcare da Deloitte, realizado em sete países europeus entre os quais Portugal, os profissionais de saúde portugueses revelam-se confiantes na transformação digital e acreditam que as instituições onde trabalham estão bem preparadas para a adoção de tecnologias digitais. Mas consideram que precisam de mais formação para o uso correto da tecnologia.


A pandemia teve algum impacto?

A pandemia veio acelerar a necessidade e a implementação de respostas tecnológicas e Portugal foi, entre os países avaliados, um dos que mais impulso mostrou na adoção de tecnologias para responder à Covid-19.

O estudo revela que, em Portugal, apenas 44% dos médicos e enfermeiros inquiridos estão razoavelmente satisfeitos ou muito satisfeitos com a formação ministrada, o que pode ser atribuído a um menor número de ações de formação e apoio prestado à utilização de tecnologias no país como um todo.

Outro dado importante revela que, em Portugal, 47,3% dos profissionais de saúde nunca recebeu, por parte da sua organização, qualquer formação relativa à utilização de novas tecnologias ou recursos digitais. Ainda que com um ano de diferença entre eles, ambos os estudos apontam para a urgência de os profissionais de saúde receberem formação adequada para que todos os esforços desenvolvidos para alavancar o 5G no setor da saúde sejam bem-sucedidos.


Tendo em conta esta realidade, o que precisa de ser feito?

Como ponto de partida para uma estratégia de facilitação à adoção, os diferentes stakeholders, nomeadamente hospitais, cuidados de saúde primários, municípios, universidades e indústria, precisam de traçar uma abordagem colaborativa baseada numa rede de cooperação que permita a conceção de projetos e soluções de interesse mútuo capazes de ganhar escala a nível nacional e, assim, desmistificar o risco aparentemente associado. A título de exemplo, poderá fazer sentido desenvolver projetos colaborativos construídos em consórcio, com uma forte componente de go-to-market assegurada pela indústria e através de um piloto no terreno, neste caso, em instituições de saúde - as  quais deverão ser envolvidas e ter um papel ativo e proativo ao longo de todo o processo, desde a identificação da necessidade e conceção da solução, testes à solução, recolha de feedback e melhorias à solução. Neste contexto, também os doentes e os cuidadores informais deverão ser ativamente envolvidos. 


Que papel pode ter o Estado?

Do ponto de vista do Governo e das autoridades reguladoras, torna-se fundamental introduzir modelos de financiamento hospitalar baseados no investimento consistente em inovação tecnológica.

Posteriormente, auditorias regulares podem fazer toda a diferença para analisar o impacto das soluções nos resultados em saúde e, desta forma, desbravar caminho incentivando uma adoção massificada.


Esta mudança vai implicar a criação de novos postos de trabalho?

O 5G conduzirá a um mundo hiperconectado, o que cria uma infinidade de novas oportunidades de negócio orientadas aos dados e à IoT.

Cada vez mais soluções de IoT serão adaptadas às necessidades específicas da indústria, adicionando uma camada digital ao mundo analógico, monitorizando processos de negócio e criando serviços para um ecossistema em rede. Novas profissões, que têm de funcionar em equipa, irão emergir num mundo mais conectado e mais inteligente.


Poderá o 5G colmatar o despovoamento de áreas mais rurais e a consequente limitação no acesso ao sistema de saúde?

Sem dúvida que sim. O 5G, ao desencadear o potencial de áreas como a IA ou a Extended Reality, permite aos profissionais altamente qualificados com competências únicas a capacidade de facilmente executarem tarefas de uma forma remota.

Cirurgias que salvam vidas ou consultas remotas com médicos especializados será uma realidade claramente possível em áreas remotas ou rurais, pois serão apoiadas por uma transmissão de imagem rápida e confiável. E muito embora as demonstrações em vídeo de práticas cirúrgicas e transmissões de operações por meio de redes 5G de alta velocidade já sejam viáveis, o verdadeiro avanço virá como surgimento da "internet tátil". Ativada por uma latência ultrabaixa do 5G, a internet tátil permitiria a um médico realizar um procedimento num paciente que esteja fisicamente num local diferente do seu.

Os movimentos do cirurgião, num local, seriam recriados instantaneamente por um equipamento computadorizado, num outro local, uma inovação que poderia beneficiar, particularmente, pacientes em áreas rurais ou em regiões remotas, onde a presença de cirurgiões especializados em procedimentos complexos possa não estar prontamente disponível.


Fonte:  ​​SmartCities (meio físico)